domingo, 2 de maio de 2010

Tribuna do Norte - Polícia "Civil" só é ágil quando ela própria é ameaçada

Publicação: 02 de Maio de 2010


Ciro Marques - Repórter

Arrastar-se durante meses, cair no esquecimento da população e jamais ser concluído pela polícia. Esse é o aparente destino de boa parte dos inquéritos dos homicídios de grande repercussão acontecidos na Região Metropolitana de Natal nos últimos anos. O que aconteceu na última quarta-feira em Natal, quando 24 horas depois do assassinato do policial civil José Luciano Oliveira os supostos responsáveis pela morte já estavam presos, foi uma exceção.
O agente da Polícia Civil Luciano Oliveira estava monitorando uma boca de fumo em um dos becos da travessa Todos os Santos, em Felipe Camarão, quando foi alvejado por três tiros de pistola calibre 380 e um de espingarda calibre 12. Ele estava acompanhado de outros três agentes, que não estavam na hora dos disparos, mas chegaram pouco tempo depois, e só encontraram o colega em estado grave.
O caso teria o mesmo destino de muitos outros semelhantes – quando a vítima é encontrada no chão e não há mais nenhum suspeito no local – mas, surpreendentemente, foi concluído em “tempo recorde”. Menos de 24 horas depois do homicídio, os quatro responsáveis já haviam sido identificados: três foram presos e um morreu em confronto com policiais. “Nem todos os casos são iguais. Nesse, foi mais fácil identificar os responsáveis pela morte. A questão é que em muitos desses homicídios a identificação do suspeito é difícil. Mas todos os casos são investigados”, afirmou o delegado-geral Polícia, Elias Nobre.
Coincidentemente, o homicídio do policial civil aconteceu apenas seis dias depois da manifestação feita pela comerciante Roselene Fernandes Bezerra que, junto a amigos, familiares e vários adolescentes, cobrou da Delegacia Geral do Estado uma solução para o inquérito do assassinato de Maria Luíza Fernandes Bezerra, 15 anos, filha da comerciante. O caso completou um ano na quarta-feira 21, e o único e principal suspeito, Thiago Rodrigues Pereira, já nem se encontra mais preso. Ele foi liberado, inclusive, devido a demora nas investigações.
No próximo dia 12 outro caso completará um ano também sem ter levado ninguém a julgamento. Trata-se do homicídio da estudante Maisla Mariano, 11 anos. Ela foi assassinada e teve o corpo esquartejado em 11 partes e espalhadas em um terreno baldio no Jardim Lola, em São Gonçalo do Amarante. O suspeito, o vendedor ambulante Osvaldo Pereira Aguiar, continua preso, mas por ter cometido outro crime – porte de drogas – e não pelo assassinato. Ele vai a júri popular, no entanto, ainda não se sabe quando. “Uma mãe só vai sossegar e tirar esse sentimento de impunidade pela morte de uma filha quando o culpado pela morte for para a cadeia”, afirmou, na manifestação, a comerciante Roselene Fernandes.
Nesses dois casos, pelo menos, já existem suspeitos identificados. Há muitos outros que também tiveram grande repercussão quando ocorreram, mas até o momento não apontam, sequer, um possível autor. Nesse perfil, dois exemplos são facilmente lembrados: o caso do bombeiro sueco Gert Bjorn Skytte Sandgren, 59, assassinado no dia 1º de março de 2009, e o alemão Winfried Tiel, 58, morto a golpes de facão, no dia 1º de janeiro de 2010. Os dois ocorreram na praia de Pipa, em Tibau do Sul, a 72 Km de Natal.
Bert Bjorn Skytte estava com a mulher, Ann-Christin Olsson, em um chalé no Porto do Mar Village Hotel, quando foi assassinado com um tiro de revólver calibre 38, às 2h da madrugada, durante uma tentativa frustrada de assalto.
A investigação começou um dia depois de morte de Gert Björn, com o delegado de Pipa, José Antônio Silva Júnior. Alguns suspeitos foram detidos, mas liberados depois, por não serem reconhecidos pelas vítimas. A Delegacia Geral designou delegados especiais para a investigação e, a partir daí, assumiram o caso a delegada Sheila Freitas, da Delegacia de Furtos e Roubos (Defur), ao lado de Sheila Freitas e Atanásio Gomes, da Delegacia Especializada em Furtos e Roubos (Defur) e José Carlos Oliveira, da regional de Nova Cruz.
Como nenhum dos três esteve no local do crime, foi requisitada em abril de 2009, uma reconstituição que, até o momento, não foi feita. “Para algo desse tipo, tem que ter uma data em que esteja disponível não só um perito do Instituto Técnico Científico de Polícia (Itep), como também o promotor do caso, o delegado e várias testemunhas”, explicou a diretora do Instituto Técnico Científico de Polícia (Itep), Cristiane Bezerra de Souza Dantas. Nesse caso, a principal dificuldade é que a testemunha chave, a mulher de Gert Björn, já voltou para a Suécia.
Itep se ressente de profissionais especializados
Imprescindível para uma investigação policial, o Instituto Técnico Científico de Polícia (Itep) não dispõe das condições ideais para auxiliar a polícia porque falta de mão de obra especializada para o trabalho. “Fazemos bem o papel de produção de provas, mas claro que ainda há muito que melhorar”, avaliou a diretora do órgão, Cristiane Bezerra de Souza Dantas.
É no Itep onde são realizados quatro exames dentro da medicina legal decisivos em uma investigação policial: o necroscópico (realizado nos cadáveres), o de lesão corporal (para casos de estupros, lesão simples ou grave), psicológico (feito em suspeitos ou vítimas de abusos) e o laboratorial (toxicológico e dosagem alcoólica). Além desses, são feitos também as perícias técnicas, como o realizado no local de um crime; o grafotécnico, que compara assinaturas; a perícia metalográfica, realizada em chassis e veículos, para verificar a autenticidades dos registros; e, até a perícia contábil, quando há algum indício de fraude.
Há, ainda, outro tipo de exame que está sendo realizado desde o início do ano e que tem ajudado na identificação dos criminosos, que é o exame de balística. Por meio dele é possível identificar de que arma saiu o projétil que, por exemplo, foi encontrado dentro de um corpo. O nome da máquina que faz esse tipo de identificação é o comparador balístico de projéteis e custou R$ 670 mil. “Assinamos um novo convênio e, com recursos federais, devemos conseguir ainda outros equipamentos importantes para auxiliar nas investigações, como os detectores de metal, cromatógrafos a gás, comparador espectral de imagem (usado para o exame grafotécnico) e novas viaturas e rabecões”, afirmou a diretora.
Apesar do reaparelhamento, o Itep ainda sofre com a falta de profissionais especializados nas investigações, os chamados “peritos criminais”. No Rio Grande do Norte são apenas 36. “Realmente, nosso quadro é reduzido”, disse Cristiane Bezerra. Nos outros setores, o número de profissionais também não é o ideal. São 25 médicos legistas e 18 necrotomistas.
No entanto, Cristiane Bezerra isenta o Itep de qualquer responsabilidade na lentidão das investigações policiais porque, segundo ela, os laudos são sempre entregues no período estipulado: 15 dias. “Sempre procuramos fazer um trabalho integralizado com a Polícia Civil e não há nenhum ressentimento em ajudar nas investigações. Procuramos sempre fazer um trabalho o mais detalhado possível para, realmente, ser decisivo na produção de provas físicas”.
Polícia civil quer mais 6 mil agentes
Segundo números do Instituto Técnico Científico de Polícia (Itep), houve um aumento de 21% dos homicídios ocorridos na Região Metropolitana de Natal em 2009 em relação a 2008. No entanto, apenas 15% dos inquéritos de assassinatos chegaram à Justiça com a autoria definida. A falta de estrutura física e de pessoal são a principal causa dessa impunidade.
A Polícia Civil tem um contingente de, apenas, 1.388 profissionais - entre agentes, delegados e escrivães. Para fazer um trabalho de qualidade, segundo o Sindicato de Policiais Civis do Estado (Sinpol/RN), seria preciso, pelo menos, mais seis mil agentes, 800 escrivães e 350 delegados. “Isso é um problema preponderante. A falta de pessoal dificulta as investigações e sobrecarrega os policiais”, avaliou o vice-presidente do Sinpol, Djair Oliveira.
Essa “carência” de policiais civis e infraestrutura é facilmente encontrada na 9ª Delegacia de Polícia no Panatis. Fios soltos, ar condicionado quebrado, computador com defeito e nada de impressora - os policiais civis têm que preencher à mão aproximadamente 40 boletins de ocorrência por dia. “Para completar, só temos uma viatura para trabalhar nas investigações. Isso, mesmo com aqui tendo sido registrados mais de 90 homicídios no ano passado”, afirmou um dos agentes da Polícia Civil lotados na 9ª DP.
Entre os homicídios registrados e que não tiveram o inquérito concluído pela 9ª DP, está a “Chacina do Vale” - quando, em plena luz do dia, quatro jovens foram executados a tiros no conjunto Vale Dourado, no bairro de Nossa Senhora da Apresentação. A chacina aconteceu na rua Prefeita Joana Ferreira da Cruz e foram executados João Paulo Moreira da Silva, 25, João Maria de Oliveira, 28, Gilberto Andrade Paulo da Costa, 25, e Daniel Victor Silva Lima de Mesquita, 18. Todas as testemunhas do caso foram ouvidas – não se sabe precisamente quantas – no entanto, o inquérito não foi concluído e os responsáveis pelos homicídios ocorrido em janeiro de 2009, nunca foram identificados. “Mesmo sem estar concluído, o caso foi encaminhado para a promotoria de Justiça, mas ainda não retornou em formato de processo e com o encaminhamento do promotor, sobre o que falta e como as investigações devem continuar”, afirmou o chefe de investigação da delegacia.
Outras 12 pessoas foram mortas de formas semelhantes e os crimes ainda continuam sem conclusão. É o caso da chacina ocorrida em São Gonçalo do Amarante, em novembro de 2009. Nela, foram mortos Clécio Viana de Araújo, 17, José Cássio do Nascimento de Araújo, 20 (embalador da fábrica Guararapes), Anderson Clayton Cunha do Nascimento, 21, e Valtércio Barbosa do Nascimento, 24 (tratorista) durante a madrugada.

"Foto llustrativa da web"

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